terça-feira, 30 de junho de 2009

O Retorno da Maldição do Sertão

O Retorno da Maldição do Sertão

(ainda que o sertão não tenha nada a ver com isso)

A dita "música sertaneja" teve seu ápice popular no intervalo entre o final da década de 80 até meados dos anos 90. Nessa época, já se questionava a autenticidade dos representantes do título “sertanejo”, uma vez que pouco ou quase nada se mostrava da música tocada, composta e inspirada no sertão brasileiro ou em qualquer região interiorana e ruralista do país.

O som do sertão foi distorcido, apelativamente romantizado, industrialmente (!) distribuído e produzido, e, urbanamente (!!) vestido e estetizado. Enfim, o sertão foi esquecido na hora criar um negócio moldado nos moldes do pop, ainda que o seu nome tenha sido usado pra representar o movimento.

Mas, o tempo passou e, graças a outras merdas manipuladas pela indústria fonográfica como o ‘axé’ e o ‘pagode’ o pop sertanejo ficou em segundo ou terceiro plano, fatalmente.

Hoje, graças às reviravoltas do pop, ou à queda do nível do nível intelectual dos ouvintes da música popular, eles estão de volta ! ... E com diploma de nível superior ... (rsrsrs) !!! Graduados em breguismo e pós graduados em mesmice, se ploriferando ainda mais rápido que as faculdades particulares e instituições de ensino superior à distância, das quais as duplas sertanejas universitárias devem ter abandonado, fugido, ou terminado nas coxas seus cursos (se é que um dia os freqüentaram), tendo em vista à baixa qualidade musical, a total ausência de inovação de uma dupla para a outra, o apelo estético modernoso e forçado, dentre outras degradantes características que soam no mesmo tom de mediocridade para o qual se entona o ensino superior no Brasil, onde também falta inovação, criatividade, estímulo ao senso crítico e seriedade na manutenção do título atribuído à educação exercida nas universidades brasileiras.

De forma abrangente o “Sertanejo Universitário” reflete a desvirtuação dos nossos títulos educacionais e reforça a precariedade intelecto/social da massa estudantil brasileira. O que arremete a um certo (e irônico) saudosismo da época em que o governo militar detinha ou torturava quem tinha carteira de estudante e liberava quem tinha carteira de trabalho, visto que hoje os movimentos sindicais são ridicularizados pelos estudantes universitários apolíticos, acéfalos e alienados e, a única vertente politicamente e puramente esquerdista são os movimentos grevistas, cada vez mais enfraquecidos pela força da mídia vendida e pelo déficit educacional brasileiro.

A “Maldição do Sertão” está de volta. Apocalipticamente presente. E que Deus nos ajude a agüentar a pressão direcionada pelo inócuo pensamento político da massa brasileira..

Ji-Paraná/RO (a terra dos cowboys), 01 de julho de 2009.

Erlon R. V. Sanders.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Aos Bastardos

Me estagnei musicalmente, graças a minha preguiça crônica que fatalmente me impedia de pesquisar por coisas novas e interessantes que não eram divulgadas por veículos comuns de massa. Tinha contato apenas com o que me era colocado diante da fuça. Por isso andei meio que avesso a novidades, uma vez que quase tudo que me era servido na bandeja da mídia, ainda que me agradasse, não conseguia me tocar. Mas ironicamente a MTV me apresentou uma banda nova pra mim que, não só me tocou, como fez minha cabeça definitivamente. Um programa chamado COLUNA MTV (que divulga de forma original algumas pérolas musicais desconhecidas) me jogou na cara uma tal “HEARTLESS BASTARDS”. Bateu na hora. Não sei exatamente por que. A barulheira noventista que me educou em vários aspectos na adolescência vem sendo revista por várias bandas, mas essa banda me pareceu se apoderar daqueles sentimentos de outrora de forma perfeitamente atual e sem parecer velha ou saudosista. Acordes simples e pouco numerosos, cacofonias contidas, interferências de elementos alternativos como viola, violoncelo, e a voz da Erika Wennerstrom.

A voz dela merece um parágrafo à parte. Um timbre que eu não conheço referências ou comparações, uma força discreta que vem à tona somente quando necessário, normalmente pra pontuar o sentido visceral de suas poesias. Erika (único membro que nunca saiu da banda) não carrega a banda nas costas, mas nas cordas vocais e nas palavras melancolicamente desconcertantes.

Se cabe recomendações específicas, comece pelo último álbum “THE MOUNTAIN” ouça de cabo a rabo, e depois pense a respeito.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

ainda sobre futebol ...

... Hoje, 11 de junho de 2009, fui ao estádio municipal pra ver uma partida de futebol entre o All Star Masters do FLAMENGO (meu time de coração e nascença) e um catadão de masters do meu estado, RO, onde até o governador (um miserável, corrupto, sangue-suga, ignorante, autoritário, etc.) tava com a camisa 10, o fla-masters ganhou de 6x1, o governador levou um desconcertante chapéu (símbolo pessoal do maldito - o 'chapéu') do Nélio jogador que teve sua importância até mesmo na conquista do último campeonato brasileiro em 1993. Mas, apesar da tentadora condição de massacrante do brinquedo governista, o jogo foi meia-boca. O Rondinelli (deus da raça rubro-negra) saiu machucado no primeiro lance, o Valber foi o mais negligente possível e o Adilho não fez porra nenhuma. O Nunes e o Airton fizeram dois gols cada um mas, não cativaram nem empolgaram ninguem.
Numa situação como a minha, onde nada acontece principalmente no âmbito futebolistico, a oportunidade de ver jogadores de verdade (ainda que inativos e herados) em ação empolga ... Mas pra eles uma platéia mirrada e esquisita não estimula, jogar contra um governador odioso não motiva e, superar a ressaca da noite anterior muitíssimo pior.
A emoção de ver pessoalmente em ação o Nélio, o Rondinelli, o Airton, o Adilho, o Valber, o Nunes entre outros, converteu-se em tolerância com os veteranos que não demonstraram a menor empolgação em representar o posto mítico de outrora.
E por mais absurdo que pareça, o governador acertou um lançamento perfeito.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

nothingsomething




CONVENIÊNCIA DE SER COVARDE

Há tempos, fui à Rua Bariri, ver um jogo do Fluminense. E confesso: - sempre considerei Olaria tão longínqua, remota, utópica como Constantinopla, Istambul ou Vigário Geral. Já na Avenida Brasil, comecei a sentir uma nostalgia e um exílio só equiparáveis aos de Gonçalves Dias, de Casimiro de Abreu. Conclusão: - recrudesceu em mim o ressentimento contra qualquer espécie de viagem. Mas, enfim, cheguei e assisti à partida. Nos primeiros trinta minutos, houve tudo, rigorosamente tudo, menos futebol. Uma vergonha de jogo, uma pelada alvar, que não valia os cinco cruzeiros do lotação. E, súbito, ocorre o episódio inesperado, o incidente mágico, que veio conferir ao match de quinta classe uma dimensão nova e eletrizante.

Eis o fato: - um jogador qualquer enfiou o pé na cara do adversário. Que fez o juiz? Arremessa-se, precipita-se com um élan de Robin Hood e vem dizer as últimas ao culpado. Então, este não conversa: - esbofeteia o árbitro. Ora, um tapa não é apenas um tapa: - é, na verdade, o mais transcendente, o mais importante de todos os atos humanos. Mais importante que o suicídio, que o homicídio, que tudo o mais. A partir do momento em que alguém dá ou apanha na cara, inclui, implica e arrasta os outros à mesma humilhação. Todos nós ficamos atrelados ao tapa.

Acresce o seguinte: - o som! E, de fato, de todos os sons terrenos, o único que não admite dúvidas, equívocos ou sofismas é o da bofetada. Sim amigos: - uma bofetada silenciosa, uma bofetada muda, não ofenderia ninguém, e pelo contrário: - vítima e agressor cairiam um nos braços do outro, na mais profunda e inefável cordialidade. È o estalo medonho que a valoriza, que a dramatiza, que a torna irresgatável.

Pois bem: - na bofetada de Olaria não faltou o detalhe auditivo. Mas o episódio não esgotara ainda o seu horror. Restava o desenlace: - a fuga do homem. Pois o juiz esbofeteado não teve meias medidas: - deu no pé. Convenhamos: - é empolgante um pânico assim taxativo e triunfal, sem nenhum disfarce, nenhum recato. Digo “empolgante” e acrescento: - raríssimo ou, mesmo, inédito.

Via de regra, só o heroísmo é afirmativo, é descarado. O herói tem sempre uma desfaçatez única: - apresenta-se como se fosse a própria estátua eqüestre. Mas a covardia, não. A covardia acusa uma vergonha convulsiva. Tenho um amigo que faz o seguinte: - chega em casa, tranca-se na alcova, tapa o buraco da fechadura e só então, na mais rigorosa intimidade - apanha da mulher. Mas cá fora, à luz do dia, ele é um Tartarin, um Flash Gordon, capaz de varrer choque de polícias especiais.

Pois bem. Ao contrário dos outros covardes, que escondem, que renegam, que desfiguram a própria covardia – o juiz correu como um cavalinho de carrossel. Note-se: há hoje toda uma monstruosa divulgação, que torna inexeqüível qualquer espécie de sigilo. E, logo, a imprensa e o rádio envolveram o árbitro. Essa covardia fotografada, irradiada, televisionada projetou-se irresistivelmente. E quando, em seguida, a policia veio dar cobertura ao árbitro, este ainda rilhava os dentes, ainda babava materialmente de terror. Acabado o match a multidão veio passando, com algo de fluvial no seu lerdo escoamento. Mas todos nós, que só conseguimos ser covardes às escondidas, tínhamos inveja, despeito e irritação dessa pusilanimidade que se desfralda como um cínico estandarte.

Nelson Rodrigues, 17/12/1955

[texto publicado na revista Manchete Esportiva – RJ]